quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Poema em linha reta

     
     
    "Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,

    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?

    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza." 


    Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

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sábado, 17 de novembro de 2012

Só o amor é eterno

Foto: Julie de Waroquier
As palavras já não bastavam.
Era o gosto, o cheiro, os gestos,
a consubstanciação dos corpos à meia-luz.

O prazer, como tudo que é bom
se faz efêmero, e se consome no gozo,
no arder dos corpos, no suor e arrepio da pele.

Mas o amor, se for amor não morre.
Ele se sobrepõe ao tempo
e se fortifica na dor.

Só o amor é eterno.


Lílian Terra

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Obra: Tom Schole

"Vim mais uma vez a constatar que a lógica mata a vida."


Antoine de Saint Exupéry - Cidadela

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E como prever o imprevisto?
Como dizer o indizível?
O breve momento que perdura na memória
arrasta os dias sem saber pra onde vão.
E no corpo fica o gosto do que nao ficou,
do instante que se eternizou
e nada parece aquietar 
os sentidos acostumados
a emoção tão singular.


Lílian Terra

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sexta-feira, 9 de novembro de 2012


Liberte-se daquilo que te prende.
Sorria, cante, abrace,
Espalhe-se por aí!

Quem não te faz sorrir não merece suas lágrimas.


Lílian Terra

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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Foto: Aron Wiesenfeld
E a razão de tantas páginas em branco
é a ausência da poesia nos últimos dias.
Tenho pensado muito,
e pensar tanto me deixa doente.
A luta com o tempo e a autorrepressão
me tiraram algumas horas de sono,
e me encontro acordada,
agora que a cidade se cala 
e parece dormir.
A pior hora do dia parece ser essa
em que me vejo a sós comigo e
com minhas lembranças.
E aperto os olhos para não pensar,
esperando o sono me arrastar.

Lílian Terra

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