quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si tendo pena..."

Fernando Pessoa

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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Foto: Julie de Waroquier 
"Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba.
Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera?
São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem
de durar pouco que terem durado muito. [...]
Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino;
porque não há amor robusto que chegue a ser velho.
De todos os instrumentos com que o armou a natureza,
o desarma o tempo."

Trecho do "Sermão do Mandato", 
Padre Antônio Vieira; Brasil, século XVII.

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Foto: Nils Jorgensen 
Eu te quero com a força de um raio
e com a serenidade de uma criança que dorme.
Com veias, carne e coração.
Te quero assim, e já não quero mais.
Te esqueço num canto qualquer,
e quando penso que já passou,
você me invade em um sonho,
em um pensamento que vagava,
e por um simples descuido, 
toma conta do meu ser.

Lílian Terra

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terça-feira, 8 de maio de 2012

 Hotel Toffolo

E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes
e outros alimentos.

Como se a cidade não nos servisse o seu pão
de nuvens.

Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
e só pretendemos a mesa.
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica,
tudo, no coração, é ceia.

Carlos Drummond de Andrade

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sábado, 5 de maio de 2012

 
Por que teimamos em filtrar, editar e formatar o pensamento antes que ele se torne palavra?
Por que não dizer o que vem à mente, pra que esse medo de errar?
E essa busca incansável pela perfeição, de que valerá?
Eu gosto do bruto, do transparente, do que se atreve, que se mostra!
Mostremos o que somos, doa a quem doer!
Que nossos olhos espelhem nossa essência, ainda que ela tenha várias formas, 
pois (ainda bem), ninguém é uma coisa só.
Que sejamos amados por nós e pelos outros.
Que amemos a nós e aos outros.
Que descubramos que a beleza não está naquilo que se vê, 
mas no que sentimos e que nossa alma reconhece e acaricia,
nos momentos doces, raros e inesquecíveis.
Que inesquecíveis sejamos, e que tenhamos a capacidade de amar e
enxergar no outro aquilo que ele tem de mais bonito, com os olhos puros da alma.

Lílian Terra

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Azul sobre amarelo, maravilha e roxo

"Desejo, como quem sente fome ou sede,
um caminho de areia margeado de boninas,
onde só cabem a bicicleta e seu dono.
Desejo com um fundo de saudade
de homem ficado órfão pequenino,
um regaço e o acalanto, a amorosa tenaz de uns dedos
para um forte carinho em minha nuca.
Brotam os matinhos depois da chuva,
brotam os desejos do corpo.
Na alma, o querer de um mundo tão pequeno
como o que tem nas mãos o Menino Jesus de Praga."

Adélia Prado

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